SIGNIFICADO DAS CAPAS DOS ÁLBUNS
A ideia do ditado popular que diz que
“não se julga um livro pela capa” pode valer para discos também. No entanto,
seja em qualquer tipo de produto, é difícil ignorar o apelo de um bom design,
ilustração ou fotografia que indique ao consumidor o que pode vir naquela obra
e, assim, o instigue a consumi-la.
Há capas tão criativas e originais que
há nove anos foi criado o prêmio Art Vinyl para valorizar o trabalho artístico
das capas de disco de vinil. O organizador e criador do prêmio é o inglês
Andrew Heeps. Segundo ele, “o prêmio Art Vinyl trata de comemorar a ressonância
emocional dos melhores desenhos de capa e homenagear alguns dos heróis
desconhecidos da arte e do design, que oferecem identidade visual para tantas
bandas e artistas".
As capas de disco contribuem para a
construção de um sentido musical, enriquecendo o processo estético. Os anos 60’
foram essenciais para firmar a capa como elemento primordial para o disco. Foi
quando artistas plásticos e fotógrafos penetraram no mercado das gravadoras,
vendendo seus talentos e experimentando concepções visuais inovadoras.
Houve uma tomada de consciência da
importância dos discos e das capas como icônicas. Contudo, geralmente eles são
inseridos na história da música menos por sua visualidade que por sua
sonoridade, ainda que haja reconhecimento estético. Uma vez que se entende o
álbum como a junção disco e invólucro, contendo texto e imagem, fica evidente
que, a partir dos anos 1950, abriram-se caminhos para pensá-lo como uma
possibilidade de forma artística total da contemporaneidade.
A capa de disco é tão importante
quanto o próprio disco – ou, melhor dizendo, não é possível, em muitos casos,
separar um do outro. A capa é um campo que não só reflete a visualidade de cada
época, como também provoca, por meio de seus projetos gráficos, leituras
culturais de um dado momento na carreira do artista.
Por isso, é importante voltar às capas
do passado, para tentar entender o seu lugar em nossa cultura visual e musical.
- No Line On Horizon (2009)
A arte de um álbum tem como função,
praticamente, traduzir o sentimento das músicas, sintetizando a melodia e as
letras presentes em tal disco em uma só imagem. Na maioria das vezes, a arte é
criada depois que um álbum está com seu conceito definido, e isso tem sentido
pois músicos precisam de uma arte para sua música, mas não necessariamente
criam música para uma arte. No caso do No Line On The Horizon isso foi um
pouquinho diferente.
A capa nada mais é do que uma foto
simples, em preto e branco, do que muitos inicialmente supuseram ser o mar. Na
verdade, a foto mostra o amanhecer no Lago de Constança que fica na fronteira
entre a Áustria, Alemanha e Suíça. Esse momento tranquilo, com uma névoa que
não deixa o horizonte ser traçado, mostrando a pureza dos primeiros instantes
de luz da manhã, foi registrado pelo fotógrafo japonês Hiroshi Sugimoto em
1993, e a foto hoje está exposta no Metropolitan Museum Of Art em Nove Iorque.
Intitulada “Boden Sea, Uttwil”, a foto
faz parte de uma série de cerca de 200 fotografias com o tema ‘seascape’, ou
seja, ‘paisagem marinha’ ou ‘vista do mar’. Sobre a série, Sugimoto disse estar
interessado na linha do horizonte em diversos momentos, na atmosfera e como ela
influencia a paisagem. “Boden Sea, Uttwil” descreve o contato entre a
superfície da Terra e o éter e é também uma metáfora para os limites de nossa
percepção mental e visual.
É possível pensar que a banda escolheu
tal foto pois ela se encaixa perfeitamente com o título do álbum, “No Line On
The Horizon”, mas o curioso é que o álbum e a canção assim se chamam porque
Bono se inspirou nas fotos de Hiroshi Sugimoto, anos antes do lançamento do
disco, quando o mesmo ainda não tinha nome.
Mas como foi que Bono descobriu sobre
o trabalho de Sugimoto? Aparentemente, foi um contato em comum que os uniu. O
fotógrafo conta que em 2005 ele foi apresentado a Bono por um colecionador de
arte, na França, e que tempos depois foi levado à casa de Bono em Nice onde foi
recebido pelo cantor. No encontro, conta o fotógrafo, Bono confessou ter amado
a sua série de “seascapes” e começou a questioná-lo sobre seu trabalho.
Enquanto Sugimoto falava, Bono tomava notas, notas essas que depois viraram a
base para a criação do tema do álbum.
Ainda em 2008, durante uma visita a
Dublin, Sugimoto ouviu a primeira demo tape e, alguns meses depois, Bono lhe
disse que o U2 queria usar a imagem de Boden Sea na capa do álbum. “Você tem
certeza? Se você a usar você não será capaz de colocar nada em cima dela, nem
mesmo o nome do U2", lembrou o artista.
Ele ficou surpreso quando Bono
concordou firmemente. A capa possui um sinal de igual, mas anexado ao invólucro
de plástico, por isso desaparece uma vez tirado o invólucro. Sobre dinheiro,
Sugimoto revela: "Eu me dei um segundo para pensar sobre isso, e eu disse:
'Que tal um acordo da Idade da Pedra - sem envolver dinheiro’”?
Bono concordou com um acordo de troca
de "artista para artista", pelo qual Sugimoto poderia usar a canção
"No Line On The Horizon" em qualquer projeto que ele quisesse no
futuro. Sugimoto diz que ele ainda não pensou sobre como usar a música - que
ele diz que gosta, mas que gostava ainda mais em sua versão demo "mais
hard rock".
Sugimoto é também conhecido por
frequentemente rejeitar pedidos de uso de suas imagens publicamente, por isso,
quando a capa foi revelada com uma foto sua nela, muitos afirmaram que o
fotógrafo provavelmente foi corrompido e ‘comprado’ pela banda, quando na
verdade, para surpresa geral, ele não recebeu absolutamente nada por isso,
financeiramente.
O musico Taylor Deupree acusou o
U2 de copiar o design de seu álbum, “Specification.Fifteen”, feito em
parceria com Richard Chartier para uma retrospectiva de Sugimoto no Hirshhorn
Museum em Washington, D.C.. A capa, de fato, usa a mesma imagem, “Boden Sea,
Uttwil”, mas o próprio fotógrafo esclareceu a questão dizendo que tudo foi uma
mera coincidência e que a banda não tinha conhecimento do uso da imagem em tal CD.
Fotografia da capa: Hiroshi Sugimoto – Boden Sea, Uttwil
Fotografia da banda: Anton Corbijn.
Designer: Shaughn McGrath / Four5One Creative
Consultor: Steve Averill
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